Não consigo me recordar de todas as vezes em que fiquei insatisfeito com o final de um livro devido à pressa de quem escreveu.
Sei que estou me repetindo um pouco, depois do texto anterior que também falava sobre fins, mas é inevitável pensar neles quando são eles que estou vivenciando — na escrita, é verdade, não na vida real.
Quem acompanha essa newsletter há tempo suficiente (três meses) sabe que estou me organizando para enviar, com prazo máximo de 30 de Abril, o meu novo livro para o Prémio LeYa. A história ainda está sendo escrita e, como no mês passado eu já me considerava na Reta Final, pode parecer um pouco estranho que eu tenha passado mais de trinta dias no encerramento do livro. Mas quanto tempo é demais para se escrever um fim?
Quero dizer: passei anos a fio com esses personagens. Eu gosto deles, me importo com eles. Eu os vi crescer (tá certo que o enredo compreende apenas uma semana, mas eles crescem, sim). Eu participei de todas as suas lutas e dúvidas e, a bem da verdade, fui o causador de todas. Agora, por algum motivo, seria de se esperar que eu encerrasse tudo o mais rápido possível?
Não parece justo nem comigo, nem com eles. A gente passou por poucas e boas juntos. Criamos memórias que serão valorizadas para sempre, como o dia em que o Pedro teve a perna mordida por uma armadilha de urso ou quando o Marcus caiu de um precipício e morreu, mas continuou vivo. Depois de tudo isso, tenho de respeitá-los. Tenho de dar a eles um final digno e que se permite ser tão longo quanto necessário.
Quantas páginas tem um final? Talvez a grande pergunta seja essa. Em um livro de 100 páginas, o final pode ter 10; em um de 600, o final tem 60? E se tiver 1000, o final tem 100? Isso significaria que o final de um calhamaço seria o suficiente para contar um livro inteiro de 100 páginas?
Claro que não é simples assim, porque o final é um estado de espírito, não uma conta matemática. Mesmo assim, podemos usar isso como parâmetro. É inevitável pensar em O Olho do Mundo, o livro de 800 páginas que li no ano passado e que me surpreendeu com o quão viajado rápido se encerrou. O autor passou dezenas, centenas de páginas enrolando quem lia com acontecimentos aleatórios, passeios pela floresta, encontros com povos nômades, incursões em cidades assombradas para, em questão de vinte páginas, despejar um final completamente sem pé nem cabeça no colo do leitor e dizer “Que trabalho bem feito”.
Eu entendo a vontade de terminar o quanto antes. Normalmente as histórias são um crescendo de tensão que leva até um clímax no qual todos os problemas culminam e explodem na cara dos personagens ou, se não for tão agressivo, pode ser simplesmente o ponto em que os dramas se tornam mais intensos e é necessário passar por um desafio final — emocional, sentimental, físico. É claro que essa tensão toda cresce no peito de quem escreve tanto quanto ou ainda mais do que nos próprios protagonistas dos livros, e quando se vê a coisa começa a se atropelar em uma falta de nexo que mistura as frases e palavras e torna o final um bolo amorfo que amarra tudo de forma capenga.
O bom final é aquele que aproveita tudo o que se passou nas páginas pregressas, retoma temas e situações do começo e dá a eles tempo para que sejam compreendidos e fagocitados por quem lê. Para que uma narrativa seja concluída com sucesso, é importante dar ao fim o mesmo tempo que o restante dos momentos: não podemos ter COMEÇO, MEIO e F—. Nós queremos o FIM inteiro.
Como leitores, queremos aquele encerramento que nos deixa pasmos, olhando para o ponto final atônitos ou maravilhados. Queremos virar a última página e sentir como se estivéssemos no cinema assistindo aos créditos de um filme que transformou nossa vida, vendo aquelas letrinhas passarem sem ler uma só. Talvez os livros devessem ter créditos no final, também.
É perfeitamente compreensível que alguém que escreve queira vomitar tudo aquilo que esperou tanto tempo para escrever, mas devemos mais aos leitores do que isso. Devemos um final digno para eles, para nós e para os outros eles, aqueles que viveram dentro das páginas.
Não adianta ter pressa pra isso.
Ao mesmo tempo, é difícil não me imaginar sofrendo com o passar dos dias de Abril e a aproximação rápida do dia 30 e do término do prazo para enviar o livro para o prêmio. Felizmente, depois de todo esse tempo encerrando A Idade do Pó, estou bem perto do fim. Deve dar tempo; torçam por mim!
Gostei muito da reflexão, Fabio! Acho que toda boa história merece um fim em que o escritor tome seu tempo e trabalhe com o mesmo carinho e cuidado do restante do texto. Mas ô sensaçaozinha impertinente essa que tenho quando estou nos meus finais, a de que quero terminar LOGO pra poder dizer que ACABEI. É algo contra o qual tenho que lutar pra poder preservar a qualidade dos finais hahahahah
Não sei o quão bom vai ser esse fim, mas bem escrito espero que seja hahahaha. Que bom que tá gostando das news! Eu gosto também que sejam sempre rapidinhas e curtas hehehe. Valeu, Daniel!