Deve fazer um mês que converti o arquivo em andamento do meu novo livro e enviei para o Kindle da minha esposa, também conhecida como minha revisora e copidesque. Ela também faz leitura crítica, dá pitacos nos enredos e conhece os personagens tão bem quanto eu — às vezes até mais.
Desde então, estou em uma corrida contra o tempo e contra mim mesmo para terminar o livro a tempo de enviar para o Prémio LeYa (já comentei que submeter o livro a esse prêmio é uma das minhas metas literárias deste ano), cujas inscrições terminam em 30 de Abril. A minha intenção é enviar antes, mas, naturalmente, o mais provável é que eu me perca com os prazos e envie em cima da hora, talvez com alguns minutos de sobra.
Minha esposa me olha inquisidora “Tá escrevendo?”, para saber se eu estou focado em bater a meta. Depois de escrever mais umas centenas de palavras, fico contemplando a minha planilha de controle de escrita tentando calcular (em vão) quantas ainda faltam para terminar A Idade do Pó (é o título). Não chego a nenhuma conclusão.
Desde novembro venho dizendo que “estou na reta final” do livro, mas o processo de terminar a coisa é complexo e delicado. Forço a memória tentando lembrar de todas as pontas e arcos que abri lá no começo e que agora devem (ou deveriam) ser fechados. Será que devem, mesmo? Nunca gostei de final de novela em que todo mundo tem de ter um final definido porque não é verossímil. Na minha opinião, as melhores histórias são aquelas que recortam parte de uma vida e se encerram quando aquela parte terminou — mas a vida segue. No caso de A Idade do Pó, o livro compreende toda a pós-vida de um personagem, e quando isso termina, a história acaba também. Os personagens sobram, porque ainda têm suas próprias vidas para viver.
Acho o máximo quando essas pessoas vêm de e vão a algum lugar depois que se fecha a janela pela qual espiamos através das páginas. Nós temos a chance de passar um tempo com elas, mas, quando esse tempo se esgota, temos de abrir mão e nos despedir. Para leitores esse processo já é difícil; para quem escreve, então… é um suplício, principalmente depois de passar tanto tempo com esses personagens.
Comecei a escrever essa história em Abril de 2020, quando o título veio sozinho na minha cabeça e, depois, percebi que era a chance de escrever uma história de imortal melhor do que a minha primeira (Agora eu Morro, de 2010). No NaNoWriMo de 2021, avancei 50 mil palavras além das poucas que já tinha escrito e notei que estava escrevendo tudo ao contrário, por isso decidi recomeçar. Com o meu casamento, em 2022, perdi o foco. Ano passado, decidi voltar com tudo e desde então não parei de escrever esse livro.
Quando chegar o momento de enviar o livro para o prêmio, terão se passado quatro anos. Até agora eu nem fazia ideia de que era tanto tempo! Formei uma relação sólida com os quatro protagonistas, é quase como se eles fossem meus amigos e eu fosse encontrá-los na feira da cidade. Tem muito de mim neles, ainda que esses aspectos estejam diluídos em todos eles. Também é uma história muito pessoal, porque trata de dramas familiares — quem não os tem? —, o que torna ainda mais fácil de me identificar com eles e mais difícil de os deixar partir.
Ao longo do meu tempo como leitor, quis viver em muitos dos mundos que li, mas foi muito raro eu querer viver em mundos que escrevi. Até já pensei em visitá-los de passagem, mas nunca tinha encontrado personagens que eu quisesse tanto conhecer (e, dependendo do caso, abraçar e ser um ombro no qual chorar) quanto esses quatro. Eu me condoo com as tristezas deles e me alegro com suas conquistas, por menores que sejam. Seria ótimo estar lá por eles, mas não posso.
Com a aproximação do fim, tudo vai tomando contornos de adeus. As próximas palavras não são as últimas, mas quase. O momento de me despedir vai chegar em breve, e o mais triste de tudo é saber que a única pessoa que vai sofrer sou eu. Eles nem sabem da minha existência.
Tudo bem. Outras histórias virão pela frente, outros dramas (familiares?), outros personagens e paixões. Eu já passei por isso, já chorei por outros personagens — é irônico chorar por um destino que eu mesmo infligi a eles, não? É incrível que, mesmo sabendo o quanto sofro por eles, continuo sendo um deus mau e os fazendo passar por todo tipo de sofrimento…
Dói mais em mim do que neles.
Comecei o texto em um dia bom, terminei em um dia ruim. Talvez por isso a coisa foi ficando mais melancólica no final. Não me julguem; dizer adeus, como vocês devem saber, não é fácil.
Aos poucos acho que estamos compreendendo alguns autores que vão e voltam pra uma mesma saga de tempos em tempos hehe