Minha jornada no mundo dos livros começou com a fantasia. Não sei se era algum tipo de escapismo, uma vontade de me distanciar do mundo real ou o quê. Provavelmente não era nada disso, porque minha infância e pré-adolescência foram muito plenas e eu era uma criança faceira e pirilampa. Eu simplesmente tinha um gosto todo especial pelo gênero, as promessas maravilhosas que se revelavam nas páginas daquelas obras, a magia e as pequenas estrelinhas que brilhavam como pó na minha imaginação sempre que pensava nisso.
Tudo que aparecesse na minha frente e sugerisse mundos fantásticos me arrebatava de pronto. Comecei, claro, com Harry Potter. Quando cheguei no último volume lançado na época (o quarto, já não sou tão jovem), procurei por algo que conseguisse preencher aquele vazio e encontrei em A Sétima Torre, de Garth Nix. Foi essa obra que me fez realmente virar leitor e perceber que no mundo havia mais do que Harry Potter — uma percepção que muitos diriam ser necessária nesse momento.
Mergulhei fundo no universo fantástico, conhecendo mundos elaborados e sistemas de magia, na minha cabeça trilhando os mesmos caminhos que aqueles personagens fabulosos, imaginando as paisagens de tirar o fôlego e me surpreendendo com cada virada de página. Eu adorava aquela proposta maravilhosa de sempre conhecer algo novo, de sempre haver algo diferente pela frente, um monstro horrendo, um povo isolado, uma ilha desconhecida, mares assombrados, terras devastadas. Demorei nove meses, mas li O Senhor dos Anéis no volume único e o livro foi tema de um de meus aniversários. Na mesa, os brigadeiros, na parede, o mapa da Terra Média.
Passei por versões brasileiras de cenários mirabolantes, narradas por escritores iniciantes e maduros, por mãos habilidosas e outras nem tanto assim. Meu fôlego não parecia ter fim.
Até que teve.
Não consigo dizer quando isso aconteceu exatamente, até porque não acho que tenha sido uma virada de chave, uma luz se apagando ou acendendo dentro de uma das salas dentro de mim, eu decidindo fechar aquela porta e abrir outra, testar uma chave diferente, coisa do tipo. E não é como se eu tivesse decidido não ler mais fantasia e fim de papo, porque eu continuo lendo! Só não é mais a mesma coisa.
Dois anos atrás, li O Olho do Mundo, o primeiro volume da saga A Roda do Tempo de Robert Jordan. Recebi de aniversário de uma grande amiga e me dediquei por sete meses naquelas páginas de letras pequeninas e horas e horas de personagens fazendo coisas que não eram lá muito interessantes. Depois das primeiras cem páginas, ficou claro que a ação ia começar e os personagens chegariam a seu destino, descobririam detalhes sobre sua missão e tudo o mais. Quanto mais eu lia e descobria que estava errado, mais meu ânimo ia murchando: o livro inteiro não era sobre o que acontecia quando se chegava ao destino. O livro inteiro era a viagem.
Foi legal conhecer aquele mundo da mesma forma que os protagonistas: na prática. Com eles, descobri mais sobre as criaturas, sobre os terrenos e relevos, as cidades, os castelos. E por mais que eu tenha gostado da experiência geral, saber que a saga tem CATORZE livros, cada um com quase mil páginas, me deixou com a dúvida de se aquilo levaria a algum lugar. Provavelmente, dentro da obra, sim. Já para mim…
Eu sou aquela pessoa que ignorou sumariamente todos os apêndices de O Senhor dos Anéis. Quem tem tempo para imergir tão profundamente em um mundo inventado? Provavelmente muita gente, considerando o quanto o livro ainda é discutido (e copiado, sejamos sinceros), mas certamente esse não sou eu.
No começo deste ano, tirei da estante um livro de fantasia nacional que parecia bem divertido e poderia suprir a curiosa vontade de ler algo do gênero, uma alta fantasia de capa e espada, bem heróica e aventuresca. Li dois capítulos e botei de volta na estante. Percebi que estava revirando os olhos a cada novo elemento introduzido, outro sistema de magia, palavras que surgiam como sinônimos das que usamos só para serem diferentes das do mundo real. Eu não estava com saco para nada daquilo, não queria ter de aprender todo um universo para poder ler uma história! Eu estava com preguiça de fantasia.
Não me entendam mal, isso não é um julgamento a respeito da qualidade do livro ou mesmo do gênero como um todo, mas algo que aconteceu comigo. Me pergunto se fiquei simplesmente enfastiado de histórias fantásticas como alguém que cansa de ver catedrais na Europa ou se meus interesses mudaram. O mais provável é que sejam as duas coisas, embora nada esteja escrito na pedra.
Continuo me interessando muito por fantasia, mas toda vez que vejo um mapa abrindo um livro, já fico me perguntando se terei de analisar as implicâncias geopolitícas de um mundo que eu nem conheci ainda ou se terei a chance de me interessar pelo lugar antes. A complexidade envolvida na criação desses mundos é de fazer brilhar os olhos, só que ultimamente os meus não têm brilhado nesses casos.
Agora, o que mais me cativa é conhecer mundos reais com elementos irreais. Coisas fantásticas acontecendo com pessoas comuns. Uma única característica fantástica levada aos extremos, desdobrada com esmero e exaurida de todas as possibilidades. Isso se traduziu também no que eu escrevo. Se comecei com o fantasioso Diamante Negro (e suas inúmeras sequências, cruz credo) na minha pré-adolescência e suas criaturas, ilhas voadoras e cenários imaginários, me tornei aquela pessoa que escreve um livro inteiro sobre alguém que não consegue morrer e apodrece a olhos vistos. Me tornei alguém que quer descobrir o que acontece com quem está à volta do morto-vivo e como pessoas como eu resolveriam esse problema, não um guerreiro de armadura brilhante ou um mago.
Continuo fascinado pela fantasia, mas aquela que é tão parecida com a realidade que tenho receio de topar com ela ao virar a esquina de casa. Gosto de imaginar elementos fora do comum em contextos comuns, nos quais gerariam grande comoção. Um unicórno em um mundo de fantasia é esperado; atravessando a terceira avenida da minha cidade, é… fantástico. Não há dúvidas de que a qualquer momento uma equipe de tevê apareceria e sairia do carro com câmeras e microfones, que as pessoas postariam a respeito da internet, que alguém tentaria se aproveitar do bicho e cortar o seu chifre para fazer uma substância afrodisíaca ou coisa do gênero.
A fantasia é lindíssima, cheia de nuances e com todo tipo de possibilidade. Essa é uma boa parte da graça. E o mais legal é que, mesmo tendo preguiça de fantasia, posso continuar a encontrando em outras histórias. Há muito mais dela por aí do que podemos imaginar.
Ultimamente, tenho lido contos de fantasia em revistas como a Apex, Suprassuma, etc. Acho que tem certo charme em ler uma história que não se preocupa em explicar detalhes daquela realidade... a gente só mergulha nela. (e é o que tenho buscado colocar em algumas histórias que estou escrevendo)
Achei esse sentimento muito compreensível hahah. Também tenho certa preguiça, exceto quando me preparo psicologicamente, tipo esse ano em que me preparei pra ler A saga do Assassino, da Robin Hobb. Já li o primeiro e foi ótimo!