No Natal, ganhei dos meus pais uma caneta tinteiro.
Na loja da família, entre óculos e relógios, são também vendidas canetas, mas eu nunca tinha visto uma tinteiro no meio das outras. Quando me formei no ensino médio eu já tinha ganhado uma caneta deles, prateada, com uma extremidade que rosqueia e revela a ponta. Decidi que aquela seria a minha caneta de autógrafos, mas sempre esquecia dela e toda vez que autografava um livro pedia uma Bic azul emprestada de alguém e riscava meu nome da primeira página. Por algum tempo eu decidi que ia andar sempre com ela, mas aí ninguém me pedia autógrafos, então guardei ela na mochila e esqueci.
Meus olhos brilharam com o desejo de algo que eu não precisava quando vi exposta a caneta tinteiro que agora está na minha xícara do Pato Donald na escrivaninha. A ponteira dourada era exatamente como aquelas que vemos em incontáveis logotipos que representam a escrita: uma folha de metal curva com uma fenda e um furo — oh, Deus, como sou ruim em descrever isso! De qualquer forma, minha admiração não passou despercebida e, como eu disse, no Natal ela estava nas minhas mãos.
Minha caneta de escrita, que chique! Parece até que por ter uma ferramenta diferente o resultado será melhor, otimizado, que as palavras que sairão dela serão mais elegantes do que as que eu digito no teclado.
Decidi inaugurar a caneta na oficina de escrita da
, que rolou no dia 27 de janeiro, sábado, às gloriosas dez horas da manhã. Preparei um caderno e segurei firme a caneta entre os dedos, crente de que eu estava prestes a produzir alguns dos meus melhores textos. Ledo engano. Como eu já sabia, o que eu escrevo à mão raramente presta para alguma coisa. Ainda que não seja péssimo, o lento ato de escrever à mão parece atrasar as minhas ideias, como se a mente quisesse despejar mais coisa na página do que a mão é capaz de desenhar e, por isso, acabo cortando esquinas e sintetizando os textos. O resultado não é muito inspirado.Tem gente que produz suas melhores obras com uma caneta na mão, que preenche cadernos e mais cadernos pautados ou não e têm uma predileção particular por essa forma de escrita (é impossível não lembrar da
, que escreve à mão). Por alguma razão, não é o meu caso; é até triste que o autor de uma newsletter chamada “Tinteiro” seja incapaz de escrever com uma caneta tinteiro — o mais próximo possível da pena e tinta, se formos honestos.Será que o problema é não poder editar?, o fato de que o que está escrito ser o resultado final, pelo menos por enquanto? Depois de riscar o papel, não dá pra simplesmente desriscar. Aquela palavra mal escolhida pode até ser rasurada ou coberta por corretivo, mas ela nunca vai não ter estado lá. Talvez esse seja um sintoma do meu perfeccionismo.
Na outra ponta da escrivaninha está a máquina de escrever que herdei/roubei do meu tio, uma Olivetti Lettera 22 caindo aos pedaços que eu bem deveria levar em algum lugar para ser reformada. Eu comprei um novo rolo de tinta para ela e as letras saem com aquela satisfatória aparência “sou de máquina de escrever mesmo, e daí se estou manchada?”. Os “o” saem tão encharcados de tinta que acabam um círculo preto no papel, quase um ponto final gigante no meio do texto, e o único jeito de fazer com que haja um buraco no meio dele é pressionando menos as teclas. Mas é tão bom de bater nelas que os meus sempre saem escuros.
Eu já tentei escrever na máquina e o resultado é bem melhor do que à mão. Modéstia à parte (nem sei se isso é algo de que se orgulhar), eu digito muito rápido. A máquina também tem suas particularidades: se eu tento digitar rápido demais, as hastes engancham e eu perco o fio da meada, mas ainda assim a coisa rende bem. Não sinto aquela vontade de cortar descrições porque incluí-las seria só uma maneira de cansar mais rápido o pulso. O barulho ensurdecedor não chega a me incomodar, mas sempre fico com receio de a qualquer momento a síndica aparecer na minha porta com uma multa por perturbar o sossego do prédio.
Não há dúvidas de que escrever no computador é o que melhor funciona para mim. Foi assim desde o começo, quando sentei pela primeira vez junto do teclado, com meus onze anos ou coisa assim, e digitei minha primeira página. Por que seria diferente agora? Meus dedos dançam pelas teclas do computador com uma facilidade enorme, o pensamento flui através deles e para a tela de uma maneira que não acontece nos meios “tradicionais” de escrita.
O digital também tem outras vantagens, é claro. Muita gente usa aplicativos para auxiliar a organização das histórias, como o Scrivener, mas eu nunca me aventurei muito a fundo. Curiosamente, sempre que preciso estruturar uma narrativa, acabo indo para o papel e colando eles na parede, onde posso alterar a ordem dos capítulos com liberdade e mais facilidade em visualizar o plano geral. O maior problema é o vento, que insiste em soprar embora meus livros.
Isso que eu nem mencionei a nuvem até agora. Ter a possibilidade de guardar meus textos na nuvem, em algum lugar em um servidor que não é o meu computador, acalma a minha ansiedade de uma maneira maravilhosa. Já não preciso me preocupar se o meu dispositivo simplesmente implodir. Está tudo guardado. Eu não sei onde, mas está!
Toda pessoa que escreve acaba, em algum momento, definindo uma zona de conforto. É aquele lugar onde nos sentimos mais à vontade para deixar a imaginação se transformar em histórias sem que o meio se torne um obstáculo.
Por mais elegante que eu ache escrever com caneta tinteiro, acho melhor eu só usá-la para autografar… Pelo bem das minhas histórias.
Nem todos os teclados são bons, é claro. Passei quase seis anos com o teclado muito raso do notebook, quase tão barulhento quanto a máquina de escrever. Ontem comprei um teclado novo — tanto para escrever quanto pela ergonomia. Será que escreverei melhor com ele? O tempo dirá!
😍🥰😘 Orgulho de meu Filho Fabio , Editor 📝 e Escritor. ✍🏼
Suas news são sempre um acalento. Aqueles textos divertidos e rápidos de ler e também refletir ^^